10 de jun. de 2007

A Vista

Reza a lenda que, através de sua parede invisível,
Um ser místico, de coração denso e imenso,
Observava a sombra tensa d’uma luz plena
Sobre a metrópole escandalosamente silenciosa.

Ao longe, o céu era uma constante flamejante,
E acinzentadas as nuvens quando se aproximavam.
A metrópole, estendendo-se obscura e infinitamente,
Partia bem de baixo de seus olhos puros e incisivos.

Quem caminhasse pelas ruas e procurasse
Tocar os olhos sempre abertos do observador,
Mesmo que nunca se cansasse,
Jamais encontraria algo diferente da dor.

Conta-se à boca pequena que somente ele escolhe
A quem, no momento que julgar propício,
Com seus braços delicados, porém fortes, acolhe.

A vista, na realidade, inexistia quando não se era Ele,
Ou quando não fosse concedida pela vontade dele.
A vista era proveniente daqueles olhos negros
De imensurável profundidade,
E não da janela que só havia do lado de dentro.

Reza a lenda que, através de sua parede invisível,
Que só existia do lado de dentro,
Aquele ser místico escolheria alguém que pudesse,
Assim como Ele, tocar todas as almas com os olhos.

E passo as noites em claro,
Sonhando acordado e pedindo que a lenda seja real
E, se houver o escolhido, que este seja eu.

E sonho que Ele permita que eu prossiga além da superfície
E que não somente meus olhos lambam a tal vista,
Mas que também meus pés toquem as ruas da metrópole,
E minha pele seja aquecida pela luz do constante Sol Poente,
E que finalmente chova toda a chuva que há para chover.

Quando termina o abstrato e amanhece um novo dia,
Me levanto e caminho pelas ruas concretas do cotidiano,
Aguardando, ouvindo a música que acredito ser a sua,
Nosso encontro e seu abraço acolhedor.



Gustavo Lacerda

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