26 de out. de 2009

Os Empáticos

Estava eu a caminho da faculdade e eis que me deparo com um homem fora de si gritando e apontando um cartão vermelho para o motorista do ônibus, obrigando-o a manter o veículo parado – e o transito fervendo ao lado. O cara estava deitado no asfalto, bem na hora do Rush, bem num dos cruzamentos mais movimentados do Centro. De repente, ele se levanta e ergue a perna esquerda e grita ainda mais, querendo evidenciar seu pé deformado, o que deduzi, em minha intuitiva e “invasiva” sensibilidade, ter sido provocado por um acidente envolvendo um ônibus.

Fiquei assustado. Pasmo! Mas o sentimento mais gritante em mim ali era o incomodo – e não o incomodo por ver um louco gritando, apresentando um cartão vermelho e se jogando no chão para um ônibus na hora do Rush. O que me incomodou foram as pessoas, que, por ignorarem os riscos que aquele homem corria – por estarem se lixando, ao bem da verdade, para o quanto é triste a falta de controle emocional, a deficiência das faculdades mentais, o fato de ser sozinho no mundo (por que uma pessoa naquela situação não tem alguém) – riam, algumas até gargalhavam e apontavam como se fosse o maior espetáculo daquele fim de tarde abafado de outubro, quiçá de todo mês de outubro.

Fiquei tão assustado, que me ocorreram diversas formas de tirá-lo dali, mas me faltou ação. Confesso que tive aquele pensamento egoísta e nada altruísta que a maioria de nós tem nessas situações, de que “alguém tinha que fazer alguma coisa” – não eu, outrem. Fiz nada. Fiquei imóvel, atordoado com medo de um carro virar mais apressado e passar por cima daquele homem. E, olhem, tenho que confessar mais uma coisa: talvez, não sei bem, meu maior medo fosse assistir a um atropelamento e não o fato de alguém naquele contexto ser atropelado – medo por mim, não por ele. Isso é preocupante.

Não tenho a menor pretensão de acender qualquer discurso polido, humanitário, politicamente correto com essa crônica – longe de mim, saberá quem me conhece ou conhece meus textos. Mas é que fico profundamente incomodado com a falta de empatia presente na maior parte das pessoas nos dias de hoje – e me incluo neste meio, sem medo de ser apontado ou taxado de qualquer maneira, pois tenho comigo a tranqüilidade de não ser hipócrita, mas sim franco, muito franco.

Eu sou do tipo que se coloca no lugar do outro. Porém minhas experiências de empatia são em situações mais corriqueiras, bem menores, longe de serem extremas. Empatia se aplica pra mim na hora de entender alguém que está mal humorado, alguém que reclama muito da vida, alguém que está com dificuldades financeiras, alguém que brinca demais, alguém que se prende demais a religião, alguém que faz de tudo para se ver livre no mundo, alguém que trabalhe demais ou de menos, que tem suas dificuldades, seus problemas, suas falhas. Aprendo muito com essas minhas experiências, por que, inconscientemente, acabo fazendo minhas projeções e, quando vem a tal da situação difícil, consigo me safar mais rapidamente e com menos dor – já fiz isso bem melhor, é verdade, mas continuo aprendendo.

Exposto a essa situação extrema, me questiono se sou realmente empático como imagino. Eu poderia dizer que, naquele contexto, qualquer atitude da minha parte teria sido solidariedade ou altruísmo e não empatia. Mas poderia receber como resposta de qualquer parte que tal atitude seria resultado de empatia e, como não agi, não fui empático. Complicado isso. Mas eu realmente me coloquei no lugar daquele homem.

Imagine-se deficiente físico, confuso em suas faculdades racionais, abandonado por família e desprovido de amigos. Agora se imagine em situação semelhante a daquele homem. Por fim, imagine-se apontado a gargalhadas. Imaginou-se? Imaginou-se mesmo? Pois é, provavelmente você, como ele, não se importaria em ser a graça dos outros – sequer teria noção disso. Mas já pensou? Imagine-se agora esmagado por um carro dirigido por alguém que ignora o que se passa naquele cruzamento, e mais, ignora sua existência. Ah, o que tem também? Afinal, nesse contexto, você já nem existe mesmo? Isso e um pouco mais foi o que me ocorreu naquele cruzamento e depois dele.

Alguns, provavelmente, dirão que exagerei na dose com essa crônica. Outros acharão maçante – a esses, respeito a crítica. Àqueles, digo que a maioria das pessoas só reage ao choque e olhe lá – exemplo disso é essa situação sim, por que as mesmas pessoas que estavam rindo teriam ficado penalizadas acaso o cara tivesse sido atropelado e, algumas delas, até digo que teriam vontade de agredir ao motorista do ônibus que só fez ficar parado – não sejamos hipócritas.

Empatia. O que é isso mesmo? Colocar-se no lugar dos outros não é algo necessário somente em situações extremas, aplica-se também, e muito mais, as coisas do cotidiano, beibe! Coisa “mais nada a ver”, né? Seria, desculpe-me lembrar (eu sei que você já sabe muito bem disso), mas nós vivemos em sociedade por aqui. O que tem a ver? Ora: acaso você é um ser independe o tempo todo? Vai dizer que nunca ficou “P” da vida por alguém não entender ou respeitar seus sentimentos, seus momentos, suas carências, suas manias, seus acessos, sua felicidade repentina, sua depressão, seu mal humor, sua vontade de ficar calado e sozinho, de qualquer coisas que seja? Isso não tem a ver?

Apenas imagine-se. Situe-se. No mínimo, você ganha um momento de reflexão.


Gustavo Lacerda.

13 de out. de 2009

Tua, Minha, Alma

Como um vampiro, chego silencioso,

Na calada, como quem não quer nada.

Deixo-me perceber.

Aos poucos, você me tem em teu seio,

Me recebe como um dos mais próximos teus.


Como um vampiro, seduzo,

Encanto com as mais belas palavras,

Torno-me indispensável com os mais nobres atos.

Aos poucos, você me tem em teu seio,

E os outros deixam de ter o mesmo brilho.


Sou dos mais ardilosos e insaciáveis

Caçadores vorazes da noite,

E minha noite pode ser de seus mais ensolarados dias,

De manhãs frescas a tardes escaldantes,

De alvoradas promissoras a poentes apaixonantes.


Como um vampiro, que sou, tramo.

Aos poucos, tenho teus seios em meus dentes.

Possuo a você, minha presa da vez,

Meu alimento, meu ego mitigado.


Por vezes, sugo até a última gota,

E parto em seguida, sem olhar para trás.

Apago de minhas memórias sua existência.

O que fica são os traços relevantes de sua alma.


Outras vezes, o sadismo toma conta de mim.

Me apaixono e, nestas, sou eu quem escraviza.

Torno meus dentes em teus seios um vicio,

Que, pra mim, não passa de artifício

Para ver-te deleitando-se com a dor que prenuncia tua morte.


Sou um vampiro – o tempo não me importa!

Quando a sede vier, vou bater a tua porta.

Cedo ou tarde, demorada ou rapidamente,

Ei de sugar a tua alma por completo.


Sugarei até a última gota!

Partirei sem olhar teu corpo vazio.

Apagar-te-ei, sem deixar vestígios.

O que há de ficar são os traços relevantes de tua alma,

Incorporados a minha.


Gustavo Lacerda.