24 de jul. de 2007

Sonhos Acordado

Abro os olhos e corro deitado
De um lado para o outro, giro.
Não sei se é sonho ou se estou acordado.
Olho para o lado e vejo algo opaco, então deliro.

A luz atravessa a cortina azul sombria
E, rapidamente, o que estava disforme toma a forma
Dos meus sonhos acordado e inspiradores de alegria.
Um quase choro da minha dureza de sono entorna.

Um rosto angelical...

Ele rouba com os olhos meus segredos mais secretos,
Depõe com um sorriso minha mais poderosa arma,
Envolve com os braços todo meu universo,
Derrete com um beijo as máscaras da minha alma.

Ele não rouba,
De bom grado concedo, sem medo,
Com a certeza de que estaremos juntos amanhã cedo.

Gustavo A. Lacerda

4 de jul. de 2007

Mais Um Preto No Asfalto

Em volta da cabeça negra,
Uma poça cor-de-vinho
Jorrava e se misturava ao asfalto sujo,
Sujando de vermelho a roupa branca de um homem sozinho.

Olhos e olhares o cercavam.
Os pensamentos sobre ele ecoavam,
E a curiosidade carniceira fedia,
Mas para ajudá-lo ninguém nada fazia!

O sentimento público era singular.
O que havia era um interesse mórbido,
De apenas, de braços cruzados, perguntar,
O que é filho de um costume brasileiramente sórdido.

O sangue gritava,
O corpo inteiro tremia e pulava,
A pele molhada brilhava,
O negro marginal silenciosamente urrava.

Ninguém se preocupava com “aquilo”!
Era apenas mais um preto no asfalto!
Provavelmente fora atropelado da polícia fugindo.
Provavelmente estava em fuga após um assalto.

E a multidão crescia,
Mas ajuda alguma aparecia.
E o sangue negro pela rua escorria,
E um rapaz, com uma senhora, espiava e ria.

A blusa vermelha era branca.
O jeans azul estava velho e surrado.
Sua dor inconsciente era franca!
Se o motorista o visse a tempo, acho que não teria parado.

A policia chegou!
E disse que o crioulo nada roubou,
Mas que estava certo quem o atropelou,
Pois ele deveria ter olhado quando a rua atravessou.

Atravessou correndo para pegar o ônibus.
Ia embora depois de um longo e pesado dia.
Corria para ver os meninos e a Maria.

Disseram que à mão levava uma marmita,
Mas que voou com o baque e sumiu na rua.
Sua expressão era alegre, porém aflita.
Coitado! Não sabia que desgraça seria a sua!

Tinha até pensado num agrado pra morena...
O dinheiro era pouco... Que pena!
Ela já ficava feliz com as palavras,
Aquelas que ele punha em cena.

Tudo ia acabar na cama,
Mas agora a desgraça é quem declama,
Depois de desenrolar sua trama
Jogando a felicidade alheia na lama.

Ele ainda respirava,
Mas o gambé lhe jogara um jornal na cara,
E gritou que tudo acabara!

Aquilo não fora nada!
Com o ônibus, foram todos embora.
Assisto o noticiário, e nada se fala.
Todos que viram, já se esqueceram a essa hora.
Apenas Maria, com os meninos, é que chora,
E reza pra Deus, pedindo que também a ela leve agora!

Não era importante, pois não tinha um salário alto,
E vivia uma vida que da vida era um salto!
Enfim, “aquilo” era só mais um preto no asfalto!


Gustavo A. Lacerda

2 de jul. de 2007

A Garrafa Vermelha

Três pares de pernas perdidas,
Seis pés calçados e descansados
Tocando com pouca ocupação a calçada.
No caminho, uma garrafa estilhaçada.

Capa vermelha, interior espelhado.
Cor que apaixona por fora,
Imagem que acaricia o ego de quem bebe
De seu liquido estimulante e viciante saindo.

Nada além de uma garrafa velha
Quebrada, jogada e esquecida.
Nada para os olhos de quem não vê.
Pouco, mas algo para os olhos de quem busca
Os cacos de dentro sem lembrar que o faz.

Uma garrafa vazia de café largada,
Com seu despedaçado interior exposto
Por um caminho tocado ininterruptamente
Por inúmeros e incessantes pés em seus passos sem rumo.

Uma garrafa cujo café fora totalmente bebido,
E, posterior a isso, jogada pela janela,
Colocando pra fora cada pedaço
Da infinidade de imagens absorvida por toda uma vida.

Cacos de um espelho interno que encantam.
Um terceiro e solitário par de pernas,
Sustentado por dois pés feridos e bem guardados.
Olhos que fotografam e guardam sem saber
Que aquilo era a visão de um futuro próximo.

Uma mesa posta pelos lados de lá
E uma garrafa vermelha de café:
_ Inteira, não quebrada, talvez restaurada.
Um flash de memória.
Uma xícara de vida para ser bebida.

Gustavo A. Lacerda