7 de nov. de 2011

Fluência

A roda rodando.
As engrenagens girando e se reposicionando.
As letras formando sílabas.
As sílabas estimulando palavras.
As palavras inspirando versos.
Os versos se colando em estrofes.
As estrofes ganhando minha voz em forma de poesia.
A poesia tomando minha carne dos ossos à janela.

É o vento ventando lá fora,
tentando arrebentar o que nos separa.
É a cortina dançando frenética,
cúmplice dos meus desejos mais cosmopolitas.

É a vida fluindo.

Gustavo Lacerda.

8 de set. de 2011

Feitos Um para o Outro

Ela suspira, e sua voz ecoa pelos quatro cantos da noite.
Ela é um pássaro, um bicho solto no ar, difícil de ser visto daqui.
Ela é a lua, varia de noite para noite e, as vezes, surge opaca no seu céu.
Ela é dispensável, temporária, porém marcante.
Ela pode e se deixa tocar – basta estender as mãos.

Ela move as engrenagens do próprio mundo e, involuntariamente, massifica seus hábitos.
Ela ri alto, ela grita, ela chora, ela se suja.
Ela é um conto, uma fábula, é poesia, é daqui, porém dali.
Ela é antagonista, anti-heroína, facilmente confundida com a vilã.

O preto dela é ácido, justo, corrosivo e corroído pelas estações.
Ela dá seus tiros para, depois de entorpecida, perguntar o que nem quer saber.
Ela não quer respostas prontas.
Ela brinca de roleta russa na própria nuca.

Ela é ativista de suas convicções.

Você grita, e ninguém te ouve nem no raio de dois metros.
Você deixa seu quase invisível rastro viscoso por aí.
Você é o Sol, caloroso, necessário, seguro de si, o mesmo de ontem.
Você é necessário, constante, mortal.
Você não pode ser tocado, por que arde.

Você é uma engrenagem, o bolo antes de ir ao forno.
Você é um típico cavalheiro, limpo e sem olheiras; seu sorriso é amarelo.
Você é novela, é drama, um romance policial que passa no horário nobre.
Você é o primeiro a aparecer na trama – bonito, rico e com cara de mocinho.

Sua camiseta é pólo ou gola “V”, com listras – duas ou três cores, as da estação.
Você finge, com o dedo, ter uma arma debaixo da blusa e obtém suas respostas.
Você faz as perguntas certas.
Você não atravessa uma rua sem olhar duas vezes para os dois lados.

Você encontra seus pontos de vista na voz de gente que morreu de tanto viver.

Ela é kiwi e você é banana.
Ela come na praça 7 e você gosta dos talheres bem posicionados.
Ela só sai pra se foder e você dorme cedo.
Ela é irresistivelmente agridoce e você é simplesmente doce.
Ela vive o que sente e você racionaliza o sentimento.
Ela vira 4 ou 5 com o mesmo sorriso e você se contorce na primeira.
Ela te controla depois da nona e você se esquece de si na terceira ou quarta.
Ela trepa pelos múltiplos orgasmos e você morre depois da primeira ou segunda gozada.

Ela gosta de você como você é.
Você tem receio de ser visto com ela,
Mas você tem medo de ser visto até mesmo consigo.

Ela é Tereza e, apenas seu nome, bastaria para defini-la.
Já você é... quem é você mesmo?
Enfim...

No seu lugar, ela riria de mim na maior naturalidade.
Mas receio que você se sinta confrontado.
Veja bem: releia-me – isso não passa de pseudo-poesia – é fake.
Ela é nada além de si, além de mim, além do que “você” pensa ser.

Gustavo Lacerda.

7 de ago. de 2011

Domingueira

Tem domingo que eu fico sentado na cama,
Enrolado o máximo para me levantar e encarar a realidade.
Fico aqui sentando, olhando pra cortina preta,
Imaginando o tempo lá forma e vivendo sensações inventadas.

Ah! Como eu gosto dessa falta do que fazer do domingo!
Dessa não obrigatoriedade de sair de casa,
Da quase certeza de que nada dará errado,
Como se não houvesse mais qualquer fardo.

Acordei hoje com sensação de que chove ou choveu lá fora.
Eu gosto, quando chove, do barulho dos carros no asfalto,
Do cheiro de terra molhada que vem não sei de onde,
Da calmaria no ar, nos sons, nos ponteiros do relógio.

Não quero abrir a cortina preta e ver que faz sol.
Hoje é domingo: eu quero viver uma realidade inventada!
O dia de encarar o mundo é segunda-feira.
Deixa pra amanhã!


Gustavo Lacerda

18 de jul. de 2011

O Poço

Não me importo com suas escolhas.
Não me volto para medir teus passos.
Não me interessam as pedras da sua estrada
E nem com quantas ou quais delas revestira as paredes do teu poço.

O mundo não gira por ninguém,
Mas todos giram, rodam e são arremessados por ele.
O tempo não corre para todos,
Mas todos correm atrás dele, atrás de alguma coisa,
De qualquer coisa que traga algum conforto,
Alguma verdade mesmo que baseada em mentiras
Vertiginosamente apaixonantes e que estimulem o movimento
Que promove o maior salto que se pode dar: para fora da cama!

Acorda! Levanta! Anda! Corre! Clama!

Não escolha descer a escada de espelhos,
Pois teu peso quebra cada degrau
E teu sangue se perde nos estilhaços,
No espaço, no escuro, no esquecimento,
Que é primeiro teu e depois sobre ti.

Não deixe-se levar por teus reflexos
No chão, nas paredes, no teto,
Por quê, o que é você, você não vê,
E, se teu sangue se esvai na escuridão,
Ninguém mais haverá de lhe enxergar,
Pois, ao fim dessa cortante e ao mesmo tempo anestesiante escada,
Aguarda-lhe a escuridão do poço do isolamento,
Onde não chega luz para sequer um lamento.

Não descarto as exceções fustigadas pela vida,
Mas é certo que cada um cava com as próprias unhas
O buraco que acredita caber sua existência,
Sua ineficiência em encarar os fatos e aos outros,
Sua falta de coragem e força para dar e perder mais que receber.

Sua carne se desprenderá de teus dedos
E dará vida morta a terra fria das paredes do buraco.

A estrada da vida é feita de pedras,
E, se você escolhe arranca-las para revestir o buraco,
Faça-o de olhos bem abertos a ponto de notar
Que, ao fim deste trabalho, estará no fundo de um poço.

De coração, espero que o bom senso torne-se teu amigo
Durante a profunda primeira escalada de volta ao topo.

A primeira escalada é consciente e até divertida.
Você sabe bem onde está e tem forças nos braços,
Você reconhece cada centímetro da subida.
Mas atenção: recolha e reencarne o que há por trás das pedras,
Pois são pedaços de sua vida e não podem permanecer emparedados.

Se você não recolhe e reencarna a si teus pedaços,
Ao descer a escada do esquecimento e retornar ao fundo do poço,
Não terá mais tanto o que perder na nova escalada.

Pode até ser que suas mãos se desfaçam,
E teu corpo desmorone do meio do caminho,
Rumo ao fundo, rumo ao nada.

Gustavo Lacerda.

10 de jul. de 2011

Falta de Brisa

Quando chego, tenho meus ois no bolso.
Quando parto, levo meus tchaus no outro.
Não tenho nada meu, nem ninguém me tem.
Não quero nada seu, é você quem se detém.

Eu não quero que fique pela minha vontade.
Eu só quero que fique quem se vê aqui;
E eu quero que quem quer vá logo!
Não se amarre, nem se afobe.
Não tente se iludir, ou lhe afogo em ti.

Quero que fique pelo que de mais verdadeiro lhe mantém.
Quero que fique onde quer que seja
Teu lugar, contando que feliz,
Contando que seja por tua vontade,
Contando com que seja pelo amor a vida.

Se for para ser, compartilharemos aquilo.
Caso não, não tem problema.
O tempo voa e leva tudo consigo,
Seja às alturas, mantendo por perto,
Elevando, ampliando o horizonte;
Seja para longe, separando corpos,
Distanciando-os, desmembrando-os definitivamente.

Minha falta de brisa é prenuncio
Aos fortes ventos que levam tudo
Consigo para os confins do meu mundo.

O princípio do seu fim é quando minhas palavras cessam,
Quando meu carinho quase seca,
Quando meu calor esfria até o morno,
Quando meus olhares tornam-se indecifráveis,
Quando meus clamores desaparecem!

Nosso fim é quando você tudo aquilo vê,
Mas pouco ou nada faz para não nos perder.

Palavras são apenas palavras e vontades não são nada,
Quando as escolhas que se faz se relacionam com o depois.

Gustavo Lacerda.

20 de jun. de 2011

O que há no Céu?

Há tardes que terminam com vontade de sol.
Há noites que começam sem o brilho da lua.

Tem dia que a gente não vê o tempo,
E ele passa desapercebido, sem alarde,
Sem sangue, sem suor, sem lágrimas,
Sem quaisquer sentimentos bons ou ruins.

Tem dia que a gente fica apático,
Que o clima fica ameno,
E não faz diferença o que nos aguarda
Ao fim da tarde, ao longo da noite,
No decorrer da silenciosa e solitária madrugada.

Tem alvoradas que são cinzas,
E, nelas, o Sol não dá as caras.
Tem alvoradas que são flamejantes,
E, nessas, o Sol parece lamber o asfalto.

Quanto aos meios-dias?
Ah... Tantos são os meios-dias de fartura,
Nos quais nos empanturramos como se não houvesse estética.
E tantos são os meios-dias de vazio,
Em que nos privamos de tudo por vaidade.

Eu sempre costumo olhar para o céu!
Daí, vejo tudo e nada...
Mais nada que tudo!
E me pergunto: o que há no céu?

O que há no céu além do reflexo do tempo,
Através de corpos celestes extintos?
O que há no céu além de um astro arrogante,
Que nos impõe sua força e nos condiciona
A viver sob a luz de sua existência?
O que há no céu além de uma lua crua,
Tão medíocre, que só brilha pela vontade do Sol?
O que há no céu além de sonhos inalcançáveis?
O que há no céu além da beleza ímpar
De dois gigantes, que nunca estarão lado-a-lado?

Por favor, não venha me falar de eclipses!
Ouço falarem de tantos raros eclipses na TV,
Que duvido da veracidade do adjetivo,
Que faz com que, diferente de mim, tantos olhem para o céu.

Afinal, o que há no céu?

Me perguntam por que sou assim,
Tão ausente e desligado dos outros.
E respondem por mim, sem me ouvir:
“Ah... por que ele quer!”

Mas a verdade nisso tudo,
É que sou tão assim, desse jeito que falam,
Por que eu não quero!

Não quero saber o que se passa.
Não quero ouvir o que se fala.
Não quero ver o que se mostra.
Não quero cheirar o que se cozinha.
Não quero comer do que está posto.
Não quero lamber o que escorre.
Não quero morder o que pulsa.
Não quero preencher nenhum buraco.
Não quero sentir o que quer que seja.
Eu quero absolutamente nada,
Que se relaciona a vocês!

Hum... mas o fato é que, de fato,
Todos possuem sombras densas,
Reveladas de forma tensa
Pela invasiva luz intensa
E vulgar do Sol.

Mas, também, afinal, o que há no céu,
Que se mantém sobre tudo, além do Sol?


Gustavo Lacerda.

7 de jun. de 2011

Não Importa a Farsa

Resolvi hoje caminhar pelos lugares de antes,
Explorar a noite fresca da qual ouvi falarem,
Conhecer as verdades ocultas nas verdades
Dos que me cercam de longe
Com suas opiniões, convicções, seus olhares.

Resolvi hoje caminhar por aí
E, nessa errada, logo percebi
Que, naqueles lugares, o mundo mudou
E a violência come solta, sem decoro algum.

A violência gerada
Pelo estupro emocional vosso
De cada dia, de cada noite,
De cada relação, de cada ausência,
De cada ineficiência de teus provedores.

A violência na forma como cada um se trata,
Não aos outros, a si, em seu intimo,
Em sua individualidade corrompida,
Em sua quase total ausência de vida.

E nessa onda de violência interna,
O que se entende por amor é a melhor saída,
A mais estratégica fuga de si,
O mais extraordinário mecanismo,
Através do qual se pode sentir de tudo,
Relacionando esse tudo a um único ser
Da forma mais calorosa que se possa ver.

Só que de quente só há o tempo,
O Sol escaldante dessa primavera
Nas ruas evaporando secura,
Escancarando a vulgaridade coletiva!

Não importa o que eu faça
E tampouco como se disfarça,
Não consigo me acostumar
A essa cornucópia de sentimentos
Que vulgarmente é rotulada Amor!

Não importa o que eu faça,
Não consigo alimentar nem mais uma farsa
Suficientemente convincente
A ponto de alguém me achar racional
Sem vestir qualquer disfarce

Toda racionalidade é ponderada,
Quando a mente é bem estruturada,
Mas não há mente que não se perca
Diante dessa bendita cornucópia,
Que torna qualquer pessoa sã desequilibrada.

Já não importa o que eu faça,
Duvido da existência da falta de vulgaridade.
E não corro mais, não fujo mais.

Tantas vezes dei e recebi provas de amor.
Tive amores tão densos quanto intensos,
Testados a cada tortuoso pensamento.
Amores dos quais me restou sequer um lamento,
Amores que buscaram em mim não mais que um acalento,
Amores dos quais as lembranças me deixam nem sonolento!

Amor de verdade, acreditei, não existe.
O que existe é uma vontade insana de amar,
Encarnada nas mais insensatas provas de amor.
O que existe são apenas provas de amor.

Daí vem alguém e diz que me ama
E que pretende ter em mim alguém que nunca lhe serei,
Esperando, em troca, me ser isso também.

Esse alguém não é e nunca será
A pessoa mais importante de minha vida.
Nem ele e nem qualquer outro alguém,
Além daquele que já ocupa tão bem
E que cuida, como ninguém, deste lugar.

Por essas ruas muitos passaram.
Naquele portão, por um tempo, alguns ficaram.
Mas, nesta sala, poucos pisaram
E, naquele quarto, nunca entraram,
Além daquele que já ocupa tão bem
E que cuida, como ninguém, deste lugar.

Não corro mais, não fujo mais.
Quem corre são os outros, quem foge são os outros,
Que buscam silenciar seu auto-flagelo
Através de meu fôlego de vida,
Mas que não têm forças para além da passividade.
Bem como não podem esperar e temem se arriscar,
Então correm e fogem.

Já não corro mais, já não fujo mais,
Já não temo mais, já não espero mais,
E, também, não me fecho mais.
Estou aberto, não para aquele tipo, para outro,
Que, talvez, sem violência, entre naquele quarto.
Alguém além deste que já ocupa tão bem
E que cuida, como ninguém, do nosso lugar,
Que não requer cuidados além dos que já tem
Deste que vos declama essa poesia sem rima.

Já não preciso mais ter provas de amor
E, diante delas, imediatamente saberei:
Não é amor, é vontade de amar!
E minha vontade de amar há muito passou.
Naturalidade, verdade e simplicidade: foi o que restou.

Não tenho vontade de amar,
Tenho necessidade de viver
Verdadeira e plenamente tudo que for para ser,
Sem violência, disfarces ou farsas!

Gustavo Lacerda.