A primeira vez que o vi foi no mesmo lugar que voltei a vê-lo
tantas e tantas outras vezes; no café Babilônia, o que me trazia a incerta
certeza de que ele talvez fosse artista, escritor, jornalista ou algo no gênero.
A tarde estava fria e decidi tomar um chocolate
quente, mas conhecia pouco esses lados de cá do Centro, então, resolvi caminhar e, após algum tempo, me deparei com o Babilônia e logo me lembrei da boa fama
que tinha entre meus poucos amigos "intelectuais" na época. Entrei. Me sentei. Pedi
um café. O bebi em curtas bicadas.
Meu dia estava opaco. Na verdade, meus dias estavam assim
fazia semanas, como se faltasse algo a acontecer. E aconteceu... o tempo
desacelerou e os segundos demoraram minutos por alguns segundos, quando ele
entrou sorrindo radiante no Babilônia. O acompanhei com os olhos até o momento
em que se sentou na mesa em frente, de frente pra mim, acompanhado de uma
delicada e branquíssima moça de família, a qual beijava breve, discreta e
ocasionalmente – ela o chamava Cris.
A voz, a expressão, o sorriso de Cris enquanto falava. Foi
inevitável o encantamento súbito. Não me levantei antes que fossem embora e
fora incontrolável o desejo de revê-lo – incontrolável de tal forma que passei
a frequentar o Babilônia todas as tarde após o trabalho.
Demorou quatro dias até revê-lo entrando por aquela porta;
desta vez, com outra moça, menos delicada que a anterior. Assentara-se a mesma
mesa, na mesma cadeira. A mesma voz, sorrisos e expressões. Mas aquela o
chamava de Flávio, ou Otávio, não me lembro mais tão bem. Nada mudara se não o
nome pelo qual era chamado, o que me causara certa intriga e ainda maior
frisson por aquela figura aparentemente rara. O desfecho dessa e de várias
vezes depois que o vi fora o mesmo: trejeitos uniformes, nomes disformes,
sempre uma bela moça diferente, assuntos que me encantavam... daí eles iam e,
cinco minutos depois, também eu partia.
Entre essas moças houve também uma mulher de uns quarenta
anos, bem aparentada, bem vestida, bem comportada, com a qual ele dividia
somente alguns sorrisos sutis e respeitosos beijos nos dedos das mãos. Aquela o
chamava ora de “Meu Querido” ora de Pedro. Reparei inclusive que a senhora,
Clara se não me engano, pagara a conta daquela vez, algo inédito e
que não voltaria a se repetir. Talvez fosse uma tia ou até mesmo sua mãe... não,
não era sua mãe, pois havia desejo em seus olhos e sedução na voz.
Foi quase um ano assim, vendo-o de dias em dias, sempre
com uma mulher diferente, um nome diferente, com gestos e atitudes repetidas. Me
apaixonei.
Decidi puxar conversa da próxima vez que o visse,
independente se estivesse acompanhado e eu já sabia que o estaria e de mais uma
bela moça.
A tarde estava quente. Eu tomava uma cerveja. Me surpreendi
quando ele entrou, daquela vez, não acompanhado de uma bela moça, não sorrindo,
com um rapaz de cabelos pretos encaracolados como os de um anjo. Sentara-se
inclusive em outra mesa, atrás de mim. Seu nome daquela vez era Caio e havia
choro em sua voz. Meu coração estava inquieto e gelado.
Caio chamava o outro de Julio. Quase morri ao ouvi-lo
dizer que o amava e ter uma replica com as mesmas palavras. Senti acontecer atrás
de mim um beijo profundamente apaixonado, embalado por amor verdadeiro. Meu corpo
inteiro travou.
Caio e Julio se levantaram e foram juntos até o caixa. Pagaram
– dividiram a conta. Vi tudo em slow motion. Não me movi. Quase não
respirei. Os dois saíram sorrindo de forma apaixonada, abraçados e observados
pelas demais pessoas do café.
Os dias passaram. Continuei aqui todos os dias, no mesmo
horário, pelo mesmo tempo. Dias. Semanas. Meses. Ele não voltou. Talvez fosse
um anjo... não! Talvez fossem namorados. Talvez ele fosse um garoto de
programa, mas aquelas moças... não era não! Talvez fosse loucura da minha
cabeça sua existência. Talvez fosse coisa de uma solitária mente sonhadora.
Não volto mais aqui!
(Café Kahlua, 18/06/2007)
Gustavo Lacerda.
Gustavo Lacerda.