14 de out. de 2012

Talvez Fosse

Altura mediana. Esbelto, mas nem tanto. Olhos fundos e profundos, de cor preta, contornados por uma marcada olheira. Nariz razoável, de ponta levemente arredondada e narinas pouca coisa abertas. Orelhas delicadas, mas disso não falo, pois não acho de bom tom reparar nessa parte das pessoas. Os lábios haviam sido desenhados para aquele rosto e combinavam com a formosura discreta do corpo que havia abaixo do queixo de super homem. Os cabelos eram ruivos e um tanto desgrenhados, em plena harmonia com a pele alva e sardenta. Era dono de uma beleza exótica. Era belo. O nome era, não sei bem ao certo, mas creio que o de verdade mesmo talvez fosse Flávio, ou talvez fosse Pedro, ou talvez fosse Caio... ou talvez fosse... sei lá! Difícil saber isso ao certo.

A primeira vez que o vi foi no mesmo lugar que voltei a vê-lo tantas e tantas outras vezes; no café Babilônia, o que me trazia a incerta certeza de que ele talvez fosse artista, escritor, jornalista ou algo no gênero.

A tarde estava fria e decidi tomar um chocolate quente, mas conhecia pouco esses lados de cá do Centro, então, resolvi caminhar e, após algum tempo, me deparei com o Babilônia e logo me lembrei da boa fama que tinha entre meus poucos amigos "intelectuais" na época. Entrei. Me sentei. Pedi um café. O bebi em curtas bicadas.

Meu dia estava opaco. Na verdade, meus dias estavam assim fazia semanas, como se faltasse algo a acontecer. E aconteceu... o tempo desacelerou e os segundos demoraram minutos por alguns segundos, quando ele entrou sorrindo radiante no Babilônia. O acompanhei com os olhos até o momento em que se sentou na mesa em frente, de frente pra mim, acompanhado de uma delicada e branquíssima moça de família, a qual beijava breve, discreta e ocasionalmente – ela o chamava Cris.

A voz, a expressão, o sorriso de Cris enquanto falava. Foi inevitável o encantamento súbito. Não me levantei antes que fossem embora e fora incontrolável o desejo de revê-lo – incontrolável de tal forma que passei a frequentar o Babilônia todas as tarde após o trabalho.

Demorou quatro dias até revê-lo entrando por aquela porta; desta vez, com outra moça, menos delicada que a anterior. Assentara-se a mesma mesa, na mesma cadeira. A mesma voz, sorrisos e expressões. Mas aquela o chamava de Flávio, ou Otávio, não me lembro mais tão bem. Nada mudara se não o nome pelo qual era chamado, o que me causara certa intriga e ainda maior frisson por aquela figura aparentemente rara. O desfecho dessa e de várias vezes depois que o vi fora o mesmo: trejeitos uniformes, nomes disformes, sempre uma bela moça diferente, assuntos que me encantavam... daí eles iam e, cinco minutos depois, também eu partia.

Entre essas moças houve também uma mulher de uns quarenta anos, bem aparentada, bem vestida, bem comportada, com a qual ele dividia somente alguns sorrisos sutis e respeitosos beijos nos dedos das mãos. Aquela o chamava ora de “Meu Querido” ora de Pedro. Reparei inclusive que a senhora, Clara se não me engano, pagara a conta daquela vez, algo inédito e que não voltaria a se repetir. Talvez fosse uma tia ou até mesmo sua mãe... não, não era sua mãe, pois havia desejo em seus olhos e sedução na voz.

Foi quase um ano assim, vendo-o de dias em dias, sempre com uma mulher diferente, um nome diferente, com gestos e atitudes repetidas. Me apaixonei.

Decidi puxar conversa da próxima vez que o visse, independente se estivesse acompanhado e eu já sabia que o estaria e de mais uma bela moça.

A tarde estava quente. Eu tomava uma cerveja. Me surpreendi quando ele entrou, daquela vez, não acompanhado de uma bela moça, não sorrindo, com um rapaz de cabelos pretos encaracolados como os de um anjo. Sentara-se inclusive em outra mesa, atrás de mim. Seu nome daquela vez era Caio e havia choro em sua voz. Meu coração estava inquieto e gelado.

Caio chamava o outro de Julio. Quase morri ao ouvi-lo dizer que o amava e ter uma replica com as mesmas palavras. Senti acontecer atrás de mim um beijo profundamente apaixonado, embalado por amor verdadeiro. Meu corpo inteiro travou.

Caio e Julio se levantaram e foram juntos até o caixa. Pagaram – dividiram a conta. Vi tudo em slow motion. Não me movi. Quase não respirei. Os dois saíram sorrindo de forma apaixonada, abraçados e observados pelas demais pessoas do café.

Os dias passaram. Continuei aqui todos os dias, no mesmo horário, pelo mesmo tempo. Dias. Semanas. Meses. Ele não voltou. Talvez fosse um anjo... não! Talvez fossem namorados. Talvez ele fosse um garoto de programa, mas aquelas moças... não era não! Talvez fosse loucura da minha cabeça sua existência. Talvez fosse coisa de uma solitária mente sonhadora.

Não volto mais aqui!

(Café Kahlua, 18/06/2007)

Gustavo Lacerda.