18 de ago. de 2008

A Música dos Outros

Não tinha mais um nome. E por não mais ter um nome, por mais que o procurassem e por mais que ele mesmo se procurasse, não podia ser encontrado.

Tinha uma vida. E por ainda ter uma vida que era sua, vivia.

Tinha uma música, mas não se lembrava mais qual era. E por não mais se lembrar de qual era sua música, ouvia a dos outros.

Numa noite, depois de muitas sem se encontrar, sem ser encontrado, desceu cem andares sem elevador, de escada, para ouvir escondido uma série de músicas que pegara emprestada para ver se encontrava a sua.

Desceu mais de mil degraus em passos lentos, no silêncio, no escuro, até chegar num local aberto, cercado por prédios.

Caminhou no escuro.

Ligou a primeira música. Acendeu o primeiro cigarro. Se deitou no escorregador e fixou os olhos nas poucas estrelas que a noite da metrópole lhe permitia enxergar. Passou uma, duas, três... vinte músicas, e não encontrou a sua.

Se levantou. Andou. Fumou. Passou mais músicas. Acabou o primeiro cigarro. Acendeu outro.

Fumou. Passou de uma música para a outra... e outra. Não encontrava a sua, mas não estava disposto a parar de procurar.

Do alto do pátio viu pessoas. Fingiu não se importar. Fingiu não estarem lá. Fingiu não existir ali.

Fumou de uma música para a outra.

Acendeu o terceiro cigarro.

Se sentou num outro brinquedo frio, largado nas sombras daquele edifício onde crianças não havia.

Uma outra música. Uma batida conhecida. Era ela! Sorriu! Se encontrara!

Uma leveza imensurável percorrera o corpo de Leonardo... "Leonardo!".... Lembrara até mesmo o nome esquecido... "Leonardo!"...

Leonardo sorriu e fumou ouvindo a música que era a sua. Estava leve. Pretendia ouvi-la novamente quando chegasse ao fim, mas quando acabou, iniciou outra, da qual ele não recordava de quem era.

Leonardo terminou o cigarro. Levantou-se ouvindo aquela nova música e caminhou pelo grande pátio até o elevador.

Subiu de elevador até o centésimo andar e a música acabou. Desceu, abriu a porta do apartamento, abriu a porta do apartamento, caminhou pelo corredor, entrou no quarto e, lá, um moço fazia música. Então, Leonardo observou o moço e se perguntou:
__ Essa música... seria dele?


Gustavo Füsca.

De Passagem

Fecho os olhos e vejo, do alto, a cidade.

É noite e não há cores, apenas luzes.

Ela é grande, mas o silêncio é o que a habita.

Eu vejo tudo e penso que ninguém me vê,

Mas o mundo me vê e me guarda... um dia se recorda.

Isso é o tipo de coisa que acontece.

Mas o que acontece quando você se conhece por inteiro?

mas o que acontece quando você não se encaixa?

E aí, o que acontece quando você vê que veio pra passar pelas vidas alheias,

Para estar fisicamente apenas pelo tempo de um suspiro?

... o que acontece?

Estranha a convicção de que sempre estarei sozinho.

Estranha a convicção de que nunca estarei sozinho.

Estranho o choque de convicções!

Vivo feliz com minhas complexas convicções,

E é isso que acontece... bem desse jeito.

Gustavo Füsca.