Houve um tempo em que olhos, ouvidos e mente
Interessavam-se pelo sentimento.
Mas eis que o super-ego ascendente
Mudou todos os focos para o pensamento,
Que vem de dentro e bloqueia a entrada da caverna.
Há quem ouça e não compreenda.
Há quem mude de assunto no apse do sentimento.
Há quem se interesse, mas se perca por um momento,
Que dura não mais que o arrependimento,
Que assola por este investimento de tempo
Sem retorno, mas com frases que rimam como se feitas para cordel.
Acostumaram-se tanto a não ter quem ouça,
Que, quando têm, esquecem-se de si
E respeitam a vontade fútil de quem vos ouve.
Acostumaram-se tanto a não ouvir,
Que, quando lhes ocorre o pensamento,
Logo o despejam, mesmo que a custo do atropelamento
E desrespeito à necessidade de quem vos fala.
Contando que ocorra troca,
Sempre ouça quem vos fala.
Nunca fale com quem não te ouça.
Me acostumei tanto a não ter com quem falar,
Que pouco falo até comigo mesmo.
Olhos abertos, ouvidos atentos,
Mentes dispersas: sou vítima dos pensamentos.
Não meus – os teus, dos outros, de todos.
Desisti de falar, cansei de ouvir.
Gustavo Lacerda.