29 de jan. de 2010

Surdez

Houve um tempo em que olhos, ouvidos e mente

Interessavam-se pelo sentimento.

Mas eis que o super-ego ascendente

Mudou todos os focos para o pensamento,

Que vem de dentro e bloqueia a entrada da caverna.


Há quem ouça e não compreenda.

Há quem mude de assunto no apse do sentimento.

Há quem se interesse, mas se perca por um momento,

Que dura não mais que o arrependimento,

Que assola por este investimento de tempo

Sem retorno, mas com frases que rimam como se feitas para cordel.


Acostumaram-se tanto a não ter quem ouça,

Que, quando têm, esquecem-se de si

E respeitam a vontade fútil de quem vos ouve.


Acostumaram-se tanto a não ouvir,

Que, quando lhes ocorre o pensamento,

Logo o despejam, mesmo que a custo do atropelamento

E desrespeito à necessidade de quem vos fala.


Contando que ocorra troca,

Sempre ouça quem vos fala.

Nunca fale com quem não te ouça.


Me acostumei tanto a não ter com quem falar,

Que pouco falo até comigo mesmo.

Olhos abertos, ouvidos atentos,

Mentes dispersas: sou vítima dos pensamentos.

Não meus – os teus, dos outros, de todos.


Desisti de falar, cansei de ouvir.


Gustavo Lacerda.

7 de jan. de 2010

Sua Falta

Na falta que você me faz,
Pratico com afinco o desapego
Àqueles por meio dos quais desafogo
As mágoas, que não merecem minhas lágrimas.

Desafogo a tristeza e a lanço,

Em forma de incerteza, nos braços abertos
Daqueles que, por ternura, vêm para me salvar.

Não matarei afogadas essas mágoas.

Deixa-las-ei no árido deserto da solidão,
Escaldando sob a luz do dia,
Petrificando às sombras da noite.
Desejo vê-las morrerem secas!

Na falta que você me faz,

Atiro alucinado, para todos os lados,
Com minha arma carregada de desprezo.

Você me manda cortar os pulsos agora,

E eu o obedeço para que veja
Que não há mais sangue,
Que já não sinto dor alguma,
Que, sem você, o que existe apenas um corpo oco.

Traga-me de volta o sangue,

Beije-me para que eu sinta a dor
Que consiste unicamente em nosso amor.
Devolva-se ao nosso mundo!

Na falta que você me faz,

A morte em vida é insuperável,
A escuridão da noite imensurável
E a alvorada inalcançável.

Salve-me antes que meu veneno

Ácido corroa tudo o que era pleno
E desole todos os bons corações a minha volta.

Gustavo Lacerda.