16 de jun. de 2008

O Sapo vermelho e o de nome difícil



Era uma vez, um sapo...

O Sapo vivia triste, chôocho pelos cantos da folha, em cima do lago. Ele não pulava, não cantava e não comia moscas... só ficava lá o dia interinho, paradinho.

O Sapo vivia triste por que ninguém sabia falar seu nome direitinho. E, na verdade, nem eu sei como se falava o nome dele - só sei que se escrevia assim oh: "Didid".

Um dia apareceu apareceu lá pelas bandas do lago um outro sapo, um sapão vermelho, de cara fechada e
que também vivia paradão, caladão...

O Sapo Vermelho se mudou para a folha em frente a do Sapo de nome difícil. E os dois se olhavam o dia inteirinho, e se olhavam tanto, que acabaram se apaixonando.

Depois de muitos se olhando sem falar nada, sem cantar nada e estarem a ponto de explodir de tanta paixão... cantaram...

Quem cantou primeiro foi logo o Sapo Vermelho, com uma voz que parecia um arroto:
_ Amor! - e quando cantou, de uma só vez mudou de cor - ficou verde, como o Sapo de nome difícil.

O Sapo de nome difícil ficou tão feliz, que cantou de volta com a mesma voz de arroto:
_ Amor! - E, quando cantou, a tristeza de uma só vez passou.

E os dois Sapos viveram pulando e cantando felizes para sempre. Um por ter o que cantar, outro por ter descoberto um nome diferente para ser chamado e ambos por terem para quem cantar.


Gustavo Lacerda.

10 de jun. de 2008

O Canto do Pássaro Satânico


Há muito, muito tempo rezava uma lenda de que habitava numa cidadela pra lá do fim do mundo um pássaro que, com seu canto, tornava morto tudo aquilo que possuísse vida.

Um dia tal história chegara aos ouvidos de um misterioso, bem vivido e curioso apaixonado pela morte, que a vinha buscando havia muito entre os arranha céus da inabalável Metrópole do sul do continente.

Ao tomar conhecimento de tal pássaro, aquele ávido e mórbido aventureiro partira para, o que tinha para si, sua ultima viagem em busca da morte. Partira para o Oeste do Continente, a princípio, saltando de prédio em prédio, depois, de casa em casa, e, por fim, lenta e misteriosamente por uma longa rodovia.

O mórbido e solitário aventureiro chegara cheio de ansiedade, numa quinta-feira de lua minguante, a cidadela e logo tivera notícia de onde costumava pousar aquele pássaro de canto satânico. Colocara-se assentado então na copa das árvores, aguardando ouvir a voz que finalmente colocaria fim àquela vida que tanto já havia sido vivida.

A Lua se pôs e o mórbido e misterioso Gato adormecera brevemente, acordando com o calor do Sol em seu reluzente pelo branco – tivera certa dificuldade em abrir os olhos, e, quando finalmente os abrira, deixou de respirar por dez segundos. A sua frente, a poucos metros de distância, um pássaro albino de grande porte, dificilmente confundido com qualquer outro já visto, o observava em silêncio, com aparente encantamento.

O Gato Branco, emocionado e sem poder se controlar diante de tal visão, saltou e caiu de pé em frente, cara a cara com Pássaro Albino, que permaneceu inerte. E algo no olhar do pássaro tocou de tal forma o gato, que este sequer pôde perguntar o que desejava saber, tocou de tal forma sua alma que ele até mesmo esquecera a razão que o levara até ali – mas isso durara apenas alguns segundos, e, quando recobrara parcialmente a memória do que o motivara a fazer tão longa viagem, teve a leitura imediata de suas aspirações feita pelo Pássaro, que abrira suas gigantescas asas e, ao invés de voar, colocara-se a correr numa velocidade inacreditável com suas pernas fascinantemente fortes.

O Gato perseguira o Pássaro o mais rápido que podia, mas este, sempre que quase alcançado, corria ainda mais veloz. O caminho pelo qual corriam era tortuoso, esburacado, coberto de lama e cascalho e cheio de armadilhas. O Pássaro, conhecedor daquela estrada, se desvencilhava com facilidade de todos os obstáculos. O Gato, apesar de ágil e esperto, caíra diversas vezes, mas nada diminuía seu empenho e pressentimento sobre a iminência de que uma longa busca estava para terminar.

O Gato, de repente, perdera de vista o Pássaro Albino, mas continuara em seu encalço, se deixando guiar por aquele cheiro agradável e característico de suas penas que marcava o caminho – sofria com o calor do Sol em todo seu corpo, mas nada o desanimaria.

Depois de muitos quilômetros correr, o Pássaro atravessara uma ponte que atravessava um singelo ribeirão e deslizara por um barranco que dava na margem do mesmo, escondida entre as arvores. Pouco tempo depois, o Gato chegara um tanto ofegante.

O Gato, tendo recuperado o fôlego e voltado a seu estado normal de consciência, aproximou-se da margem do ribeirão e perguntou no tom humilde de quem pretende pedir algo: "É você o tal pássaro que disseram matar com o canto?" – e o Pássaro, que bicava de leve abaixo da asa esquerda, voltou os olhos para o Gato. Apenas o som da correnteza das águas era ouvido.

O Gato Branco mal podia crer que ser de tamanha beleza pudesse possuir na voz a morte. Naquele momento de silêncio conseguinte a pergunta que fizera, atinara que o que de fato o fizera perseguir a suposta ave satânica fora a beleza expressa em cada pena, em cada detalhe seu, e não o desejo de encontrar o canto derradeiro. E mesmo com tal atinamento, o misterioso caçador da morte tornara a perguntar, porém, com palavras e tom menos inquisidores: "Ouvi dizerem que há por essas bandas um pássaro de intenções satânicas, que, com seu canto, leva consigo a vida de todos que podem ouvir, e que canta com essa intenção. Este serias tu, que me aparenta tão inofensivo com sua beleza, apesar de tão grande porte, asas e pernas?" – e os olhos castanhos do Grande Pássaro brilharam num verde tocante, deixando escapar uma lágrima tão vermelha quanto sangue.

O curioso Gato Branco sentira o coração descompassar e a respiração embargar na garganta. Um sentimento de inexplicável afeto tomara-lhe o peito e, quando flexionara novamente a boca para se desculpar, fora interrompido pela voz doce e firme do Pássaro: "Este sou eu. Isso é o que dizem ser eu. Isso é o que dizem que faço. Isso é o que vi em seus olhos, senti em sua respiração e no odor que vem debaixo de seus pelos. Isso é o que sei que busca. E o que farei? Dar-te-ei meu canto incompreendido, solitário e derradeiro, que nenhum ser vivo conhece além do que reza essa absurda lenda que me é tão dolorosa."

Antes que o Gato Branco pudesse expressar seu arrependimento e profundo e surpreendente sentimento de confuso afeto e encantamento, o Grande Pássaro encheu os pulmões e se pôs a cantar algo que não era o canto de um pássaro e tampouco podia ser considerado satânico – era uma melodia que parecia emitida por instrumento cujo som variava entre as cordas de um violino e de um violoncelo.

Todos os músculos e nervos no corpo do Gato travaram. Assim como o rio onde o Pássaro se banhava, o sangue de suas veias parou de circular. A respiração, assim como a brisa, cessara. Seu corpo inteiro formigava e a visão começava a escurecer. O Pássaro saiu do rio e caminhou, sem parar com a melodia, em sua direção, e, quando estava apenas a alguns centímetros do Gato, abriu as asas, ergueu o pescoço, encheu o peito e emitiu uma nota que foi a ultima de seu breve e apaixonante canto.

Quando liberara todo o ar de seus pulmões, no ato final de seu canto, sem voltar a olhar para baixo, bateu forte as asas e levantou vôo. No mesmo instante, uma lágrima escorreu do olho direito do Gato Branco, e seu corpo desmoronou sem vida no chão de areia.

O Grande Pássaro Branco voou e desapareceu na única e gigantesca nuvem branca na rara imensidão azul do céu de outono do oeste.

O corpo do Gato Branco não se movia: não possuía vida. Uma leve brisa assoprou, fazendo bailar consigo alguns grãos de areia seca, que giraram até os olhos abertos daquele que parecia ali jazir – e seus olhos piscaram.

O bem vivido Gato Branco não morrera sequer com o canto do dito Pássaro Satânico.



Gustavo Lacerda