27 de nov. de 2012

Pontos

É na escuridão da noite
Rompida pela luz da música
E sob o impenetrável silêncio
Da ausência de vírgulas e pontos
E faces e vozes e olhares
Que me encontro comigo.

Mas sempre há um ponto.

A realidade é franca,
Evidente e tão estonteante que,
Muitas vezes, a gente se recolhe
Nas noites brancas,
Em noites verdes,
Ou puramente fantasiosas.

Há sempre mais de um ponto.

A verdade é que cada um vive
Do jeito que dá conta de viver.

Tem muita gente por aí que,
De tanto não dar conta de si, corre,
Achando que vai realmente chegar
A algum lugar diferente do que está...
Hum... não vai!

Há sempre diversos pontos!

E você não vai chegar!
Não vai, por que sempre estará consigo.

Quem vive como lhe convém,
E é bem pouca gente,
Não tem pressa de chegar,
Por que sempre está exatamente onde quer estar.

Nem adianta correr ou querer se esconder.
Haverá incontáveis pontos no caminho.

Ando em passos de tartaruga,
Por que, nessa estrada, todo castigo
É consequência de pequenos vacilos.

Gustavo Lacerda

14 de out. de 2012

Talvez Fosse

Altura mediana. Esbelto, mas nem tanto. Olhos fundos e profundos, de cor preta, contornados por uma marcada olheira. Nariz razoável, de ponta levemente arredondada e narinas pouca coisa abertas. Orelhas delicadas, mas disso não falo, pois não acho de bom tom reparar nessa parte das pessoas. Os lábios haviam sido desenhados para aquele rosto e combinavam com a formosura discreta do corpo que havia abaixo do queixo de super homem. Os cabelos eram ruivos e um tanto desgrenhados, em plena harmonia com a pele alva e sardenta. Era dono de uma beleza exótica. Era belo. O nome era, não sei bem ao certo, mas creio que o de verdade mesmo talvez fosse Flávio, ou talvez fosse Pedro, ou talvez fosse Caio... ou talvez fosse... sei lá! Difícil saber isso ao certo.

A primeira vez que o vi foi no mesmo lugar que voltei a vê-lo tantas e tantas outras vezes; no café Babilônia, o que me trazia a incerta certeza de que ele talvez fosse artista, escritor, jornalista ou algo no gênero.

A tarde estava fria e decidi tomar um chocolate quente, mas conhecia pouco esses lados de cá do Centro, então, resolvi caminhar e, após algum tempo, me deparei com o Babilônia e logo me lembrei da boa fama que tinha entre meus poucos amigos "intelectuais" na época. Entrei. Me sentei. Pedi um café. O bebi em curtas bicadas.

Meu dia estava opaco. Na verdade, meus dias estavam assim fazia semanas, como se faltasse algo a acontecer. E aconteceu... o tempo desacelerou e os segundos demoraram minutos por alguns segundos, quando ele entrou sorrindo radiante no Babilônia. O acompanhei com os olhos até o momento em que se sentou na mesa em frente, de frente pra mim, acompanhado de uma delicada e branquíssima moça de família, a qual beijava breve, discreta e ocasionalmente – ela o chamava Cris.

A voz, a expressão, o sorriso de Cris enquanto falava. Foi inevitável o encantamento súbito. Não me levantei antes que fossem embora e fora incontrolável o desejo de revê-lo – incontrolável de tal forma que passei a frequentar o Babilônia todas as tarde após o trabalho.

Demorou quatro dias até revê-lo entrando por aquela porta; desta vez, com outra moça, menos delicada que a anterior. Assentara-se a mesma mesa, na mesma cadeira. A mesma voz, sorrisos e expressões. Mas aquela o chamava de Flávio, ou Otávio, não me lembro mais tão bem. Nada mudara se não o nome pelo qual era chamado, o que me causara certa intriga e ainda maior frisson por aquela figura aparentemente rara. O desfecho dessa e de várias vezes depois que o vi fora o mesmo: trejeitos uniformes, nomes disformes, sempre uma bela moça diferente, assuntos que me encantavam... daí eles iam e, cinco minutos depois, também eu partia.

Entre essas moças houve também uma mulher de uns quarenta anos, bem aparentada, bem vestida, bem comportada, com a qual ele dividia somente alguns sorrisos sutis e respeitosos beijos nos dedos das mãos. Aquela o chamava ora de “Meu Querido” ora de Pedro. Reparei inclusive que a senhora, Clara se não me engano, pagara a conta daquela vez, algo inédito e que não voltaria a se repetir. Talvez fosse uma tia ou até mesmo sua mãe... não, não era sua mãe, pois havia desejo em seus olhos e sedução na voz.

Foi quase um ano assim, vendo-o de dias em dias, sempre com uma mulher diferente, um nome diferente, com gestos e atitudes repetidas. Me apaixonei.

Decidi puxar conversa da próxima vez que o visse, independente se estivesse acompanhado e eu já sabia que o estaria e de mais uma bela moça.

A tarde estava quente. Eu tomava uma cerveja. Me surpreendi quando ele entrou, daquela vez, não acompanhado de uma bela moça, não sorrindo, com um rapaz de cabelos pretos encaracolados como os de um anjo. Sentara-se inclusive em outra mesa, atrás de mim. Seu nome daquela vez era Caio e havia choro em sua voz. Meu coração estava inquieto e gelado.

Caio chamava o outro de Julio. Quase morri ao ouvi-lo dizer que o amava e ter uma replica com as mesmas palavras. Senti acontecer atrás de mim um beijo profundamente apaixonado, embalado por amor verdadeiro. Meu corpo inteiro travou.

Caio e Julio se levantaram e foram juntos até o caixa. Pagaram – dividiram a conta. Vi tudo em slow motion. Não me movi. Quase não respirei. Os dois saíram sorrindo de forma apaixonada, abraçados e observados pelas demais pessoas do café.

Os dias passaram. Continuei aqui todos os dias, no mesmo horário, pelo mesmo tempo. Dias. Semanas. Meses. Ele não voltou. Talvez fosse um anjo... não! Talvez fossem namorados. Talvez ele fosse um garoto de programa, mas aquelas moças... não era não! Talvez fosse loucura da minha cabeça sua existência. Talvez fosse coisa de uma solitária mente sonhadora.

Não volto mais aqui!

(Café Kahlua, 18/06/2007)

Gustavo Lacerda.

3 de abr. de 2012

Perca-se na Solidão

Quanto melhor o aproveitamento das oportunidades que a vida dá para que abra sua mente, com maior clareza você enxergará o mundo e as verdades ocultas das pessoas. No entanto, quanto maior for essa abertura, mais distante você ficará de encontrar compreensão de seus pensamentos e sentimentos por parte dos outros.

Você entende o mundo, mas é como se, por mais que verdadeiramente quisessem, as pessoas que querem seu bem não pudessem te entender.


Penso que esse é o único momento doloroso da solidão: quando se anseia por ser compreendido e há quem queira, mas não há quem consiga compreender a profundidade de seus sentimentos - nesses momentos, a solidão é quase sufocante.


Ainda assim, penso que nem por um segundo deve-se permitir a ocorrência do desejo de não ter se dado à vida ao ponto de adquirir essa abertura que nos pode lançar à solidão asfixiante.


Asfixie-se! Sufoque-se! Sem arrependimentos, sem autopiedade, sem amargura, sem endurecimento, sem conflitos maniqueístas com o próprio ego. Sem alterego...


Perca-se na solidão, pois é justamente nesse momento que estará totalmente diante de si e capaz de conhecer mais um pedaço obscuro de sua alma... e de trazer luz a esse pedaço... e não se angustiar novamente pela mesma razão - envolver-se novamente sim, mas sem perder o ar.

Gustavo Lacerda.

2 de abr. de 2012

Desfecho

Minha boca lateja com meus batimentos cardíacos.
Minha pele arde em febre pelos excessos.

Meu estômago embrulha, tenta expulsar seus restos,

Que ferozmente engoli, sem mastigar,

Depois de quase delicadamente despedaçar

E, um a um, até o limite do meu prazer, seus membros esmagar.


Na memória, seu sorriso avassalador,

O ultimo antes de desfigura-lo,

Antes de transformar cada gesto seu em dor.


Nas minhas unhas a sensação inesquecível

De sua carne sendo perfurada, rasgada.

Nos ouvidos, seus gemidos, cada grunhido

Ensopado em sangue e terror.


No carpete, o vermelho coagulado

Do sangue que nunca será lavado.


Estou no que vem depois do auge,

Do clímax, do ápice, do desespero.

Estou a beira do desfecho

E você está apenas ridiculamente morto, deletado.

Gustavo Lacerda.

28 de jan. de 2012

Fábulas Amargas

Não tenho essa capacidade que muita gente tem
De se entregar às fantasias, às ilusões da vida.
Já fui capaz, mas também já tive mais disponibilidade.
Só que eu não tenho mais tempo pra isso.

Eu não tenho tempo para fábulas!

O amor falado, escrito, reafirmado, repetido.
O amor aguerrido, partido, complicado.
O amor difícil de efetivar é uma fábula!
É uma fábula onde as persaonagens são objetos
Separados pelo vidro de uma cristaleira!
É uma fábula amarga, avessa ao que dizem por aí.

Eu só me dedico a contos realistas.
Minha realidade é visceral,
Minha poesia é vicejante.

É aprazível a satisfação de todo desejo, de toda paixão.
O que não significa que não sejam dispensáveis,
Sem remorso, sem dor, sem saudade, com raras recordações.
Ambos podem ser facilmente substituídos
Pela leitura de outra fábula menos amarga.

A mente nos oferece ilusões a rodo.

Amor tem um tempo longo de gestação,
Mas, quando nasce, amadurece com naturalidade.
Amor é simples, leve e substancial,
Não precisa ser falado ou escrito, tampouco reafirmado.

Suas fábulas amargas estão escritas a tinta no papel;
Basta uma gota para borrá-las.
Meus contos e poesias visceralmente vicejantes
Estão no disco rígido, com backup na nuvem.

Gustavo Lacerda.

26 de jan. de 2012

Escolhas Certas

Penso que o certo de cada um é aquilo que lhe convém; aquilo que, intuitivamente, lhe cai bem.

Quase todo mundo, em diferentes momentos da vida, faz as escolhas certas, mas nem todos os que compõem este “quase” obtêm resultados positivos sobre essas escolhas – ouso dizer, até, que o resultado pra grande maioria é neutro ou em linha com o imperceptível.

Alguém um dia cantou que "a felicidade do pobre é o trabalho". Eu concordo! Então, se não enriqueceu com suas "escolhas certas", não caia na cilada da frustração, que nos seduz a todos com suas vis e/ou confortáveis "melhores opções". Vá trabalhar! Vá repensar suas escolhas e o quanto elas de fato lhe são convenientes. Garanto que a reflexão tornará suas escolhas mais que certas: as tornará certeiras.

O zero a zero sempre será um risco iminente - não há como fugir disso.

Tristemente, há um grupo muito pequeno de pessoas – tão imperceptíveis quanto aquela grande maioria que contextualizei – que não sabe lidar com o zero a zero. Esse grupo é composto por pessoas que simplesmente não conseguem respirar diante do fato de não terem qualquer destaque além de um micro-mundo fantasioso no qual só se brilha no escuro embriagado das noites-clone. Essas pessoas, ao invés de concentrarem-se em respirar melhor e buscar uma vida saudável, irracionalmente objetivando se destacar diante da suposta desgraça alheia, limitam sua existência a mediocridade do boicote a vítimas aleatoriamente selecionadas. O que estas pessoas não conseguem enxergar, por acreditarem-se socialmente engrandecidas por seus atos, é que vestem em forma de adjetivo aquilo que para o referido boicote é substantivo.

Acredito que a escolhas mais certas, mais prudentes, mais cabíveis a qualquer pessoa, por serem genericamente convenientes, são as de reservar-se nas próprias frustrações e não abrir mãos de escrúpulos, pois, no fim das contas, é a falta deles que nos lançará no referido substantivo do boicote.

Gustavo Lacerda.

22 de jan. de 2012

O Fim...


Não nasci para ser amado,
Nasci para ser apreciado.
Estou aqui para ser lido,
Não vim para ser compreendido.


Tenho ligação direta com o caos,
Sou transmissor da paz,
Catalisador do que é voraz!


Meu calor envolve corpo e alma,
Torna a tormenta em calma,
É hipnotizante, motivador,
Acalenta os apaixonados e da vida ao amor.



Paixão é pouco,
Amor é o que sinto.
É por ele que grito e fico rouco,
É por ele que me calo e nunca minto.


Nasci para amar e não ser amado!
Se me queres, basta estar apaixonado.
Sou volúvel e descomplicado,
É melhor não se entregar, permito-me ser sugado.


Sou apaixonante e vou me entregar a você,
Meu coração é grande, mas de repente fica apertado.
Do principio até o meio me deixarei absorver,
Mas, quando menos esperar, vou sumir, mas não calado.


Terei te amado profundamente;
Vivo a vida intensamente!
Do fim... me esquecerei completamente!


Se eu disser “Te Amo”,
Acredite: terei amado!
Não se preocupe quando me for, por onde ando.
Não tente, esqueça! Me deixe de lado!


Se eu partir seu coração,
Esteja certo de que o meu talvez, também, tenha sido partido.
Entregue-se a uma nova paixão!
Não me espere, não voltarei depois de ter ido.


Não sofro com o fim.
Esqueço tudo muito rápido.
Sei que pareço duro e frio assim,
Mas tudo é fruto do tempo e da liberdade,

Que me conduzem pálido, porém não árido, pela vida.

O tempo é o que nos leva a partir,
A liberdade é o que nos permite falar,
O tempo é o que faz qualquer amor falir,
A liberdade é o que nos permite cada vez menos chorar.


Quando a hora chegar
Vou partir para algum lugar,
E saiba que não vou voltar.


Pra você, tudo terá sido um mistério.
Por um tempo, será eterno.
Não sei, nem você saberá, com qual critério,
Mas nunca terei existido quando chegar o inverno.



Gustavo Lacerda
2ª edição . escrito e publicado em 2007.