8 de jan. de 2013

Eu, o Vento e os “Outros”

O vento assopra com sua quase violência as folhas e tudo mais de leve ou semi-leve que encontra nas calçadas e no asfalto.

O vento chega de repente, de surpresa numa dessas esquinas cheias de gente apressada, de gente não preparada para ele. E ele assusta, ele empurra, ele assopra.

O vento não destoa, ele combina. Se o ambiente não lhe é propício, logo o muda. Se no caminho há obstáculos, não mede esforços para arrasta-los consigo.

O vento não pede licença. O vento não se despede.

Num primeiro momento, viro de costas – os ciscos incomodam. As pessoas se movem num ritmo que eu copio. Correm. Desvencilham-se. Evitam-se ao mesmo tempo em que ao vento.

Não sou como essas pessoas que copio. Se fosse, não precisaria copia-las.

Leio que “uns amam muito, uns trabalham muito, uns fazem da vida uma obra de arte, + os outros...”. Eu amo. Eu trabalho. Eu faço da minha vida uma obra de arte? E esses outros?

O vento vem e me mostra quem são esses outros... e eu os copio. Copio suas roupas. Copio seus cabelos. Copio seus hábitos, seus hobbies, suas manias. Copio até os medos, os receios, a forma de falar e as palavras. Tento por que tento me igualar a esses outros que o vento vem e me mostra nessa esquina.

O vento é livre e intenso. Ele vem e me mostra como sua presença incomoda esses outros, como os assusta, como eles se defendem dele e fecham os olhos para não se afetarem.

De costas e olhos cerrados vejo as folhas e outras coisas leves e semi-leves serem levadas pelo vento. De costas e olhos cerrados vejo os outros correndo, se desvencilhando, se evitando e evitando ao vento.

De costas e olhos fechados, percebo que o vento não machuca e tampouco me assusta.

Abro os olhos e me viro contra o vento – não contra no papel de oponente, mas sim de quem quer senti-lo passar, sua liberdade, sua leveza intensa. E, tão de repente quanto sua aparentemente violenta chegada nessa esquina, me percebo como já tendo sido alguém que ama muito e que fazia sim da vida uma obra de arte, mas que hoje apenas trabalha muito e copia os Outros.

Ser como os outros é bom, por que se é bem aceito.

Percebo que o Vento, num sentimento de desespero em torno de minha intenção de condicionar-me ao mero papel de cópia dos outros e na compreensão de que somos por essência idênticos, surgiu violentamente nesta esquina com o intuito de fazer-me enxergar o que nos torna semelhantes: somos livres, leves e intensos.

Sou livre, leve e intensa!

Não sou e nem posso ser uma mera cópia dos outros.

A música estimula meu reconhecimento interior, e caminhamos juntamente com o vento pelas ruas e calçadas de carros e pessoas que se evitam e se copiam sem atinar que o fazem... pessoas que acordam, comem, trabalham, cagam, amam e dormem envolvendo-se com tudo como se não fossem capazes de elevar as emoções além do que os outros são capazes.

No momento, trabalho muito, mas o amor e a arte fazem parte de minha essência livre, leve e intensa. Quero, posso e ei de elevá-los ao ponto de não mais me assemelhar nem mesmo por um instante aos outros, que amam como cagam.

Os outros devem apenas compor o ambiente... e, daqui pra frente, seremos apenas eu, o vento e, em torno e ao fundo, em formas de vultos, os “outros”.


Gustavo Lacerda

(2ª edição - original publicado em 19/05/2009, às 00:30)

Um comentário:

CLARIDÃO disse...
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