29 de jan. de 2010

Surdez

Houve um tempo em que olhos, ouvidos e mente

Interessavam-se pelo sentimento.

Mas eis que o super-ego ascendente

Mudou todos os focos para o pensamento,

Que vem de dentro e bloqueia a entrada da caverna.


Há quem ouça e não compreenda.

Há quem mude de assunto no apse do sentimento.

Há quem se interesse, mas se perca por um momento,

Que dura não mais que o arrependimento,

Que assola por este investimento de tempo

Sem retorno, mas com frases que rimam como se feitas para cordel.


Acostumaram-se tanto a não ter quem ouça,

Que, quando têm, esquecem-se de si

E respeitam a vontade fútil de quem vos ouve.


Acostumaram-se tanto a não ouvir,

Que, quando lhes ocorre o pensamento,

Logo o despejam, mesmo que a custo do atropelamento

E desrespeito à necessidade de quem vos fala.


Contando que ocorra troca,

Sempre ouça quem vos fala.

Nunca fale com quem não te ouça.


Me acostumei tanto a não ter com quem falar,

Que pouco falo até comigo mesmo.

Olhos abertos, ouvidos atentos,

Mentes dispersas: sou vítima dos pensamentos.

Não meus – os teus, dos outros, de todos.


Desisti de falar, cansei de ouvir.


Gustavo Lacerda.

Um comentário:

MoBet disse...
Este comentário foi removido por um administrador do blog.